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Astros da astrofísica


(FOTO: TOMÁS ARTHUZZI)

Livro conta a história do trio de cientistas que deu início à jornada em busca das ondas gravitacionais — a sinfonia do Cosmo que explicará os grandes mistérios da astronomia

Às 6h51 do dia 14 de setembro de 2015, o universo “tocou a sua música” para o homem pela primeira vez. Quer dizer, não foi bem isso. Na verdade, por bilhões de anos o espaço seguiu e segue tocando a própria trilha sonora, mas foi só há pouco mais de um ano que a humanidade conseguiu escutá-la pela primeira vez e comprovar aquilo que o cientista alemão Albert Einstein (1879-1955) previu há cerca de cem anos: a existência de ondas gravitacionais.

A “sinfonia” tocada pelo universo foi ouvida por alguns poucos segundos nas duas sedes do Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser (LIGO, na sigla em inglês) nos Estados Unidos. Mas as cinco décadas anteriores à descoberta astronômica mais expressiva deste século foram tão ruidosas quanto o estrondo de dois buracos negros que há mais de 1 bilhão de anos colidiram no espaço à velocidade da luz — foi esse o som captado por aqui. E é a história dessas cinco décadas que serve de pano de fundo para o livro A Música do Universo, da cientista Janna Levin, lançado em setembro pela Companhia das Letras. “Seria apenas um livro científico sobre buracos negros, mas a razão de escolher esse caminho de escrever sobre o LIGO foi perceber que havia ali uma grande história: insana, maluca e maravilhosa”, diz Levin à GALILEU. E os protagonistas dessa história maluca são um trio de físicos que “abalou as estruturas” da ciência a partir dos anos 1960. Como em uma banda, cada um deles representou um personagem distinto, com personalidade e talento característicos.

A BANDA

Filho de um médico comunista e de uma atriz, Rainer Weiss fugiu com sua família da Alemanha nazista na década de 1930. Nos Estados Unidos, tomou gosto pela música e dedicou-se à missão de acabar com o chiado das canções de seus discos preferidos. Matriculou-se no MIT para estudar engenharia acústica, mas terminou a carreira acadêmica no departamento de física, onde, em 1972, concluiu a construção de um pequeno detector de ondas capaz de identificar todas as frequências dos sons fundamentais.

O experimento demonstrou que era possível construir aparelhos sensíveis o bastante para captar ondas gravitacionais. Mas, para que isso acontecesse, os detectores precisariam ser bem maiores do que aqueles que Weiss era capaz de montar em seu laboratório.

Enquanto isso, o barbudo e boêmio Kip Thorne cuidava da própria carreira na costa oeste. Ele vinha de Utah, onde viveu com a família em uma comunidade mórmon até que a mãe, doutora em economia, resolveu romper com a igreja local. Thorne se encantou pela astronomia ainda na infância, e acabou se especializando em física teórica e astrofísica pela Universidade Princeton e pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Em 1970, aos 30 anos, já contava com uma ampla produção acadêmica sobre estrelas, buracos negros e, claro, ondas gravitacionais. Foi o interesse por todas essas áreas que o fez cruzar o caminho de Rai Weiss, em 1975, durante uma reunião do comitê da Nasa em Washington.

Embora ambos estivessem interessados no estudo das ondas gravitacionais, a primeira impressão ao se conhecerem não foi das melhores. “Fui buscar Kip no aeroporto de Washington. Pensei: ‘E essa, agora?’. Ele tinha cabelos longos e oleosos. Usava gravata. Munhequeiras. Um doido completo. Para mim, era só uma figura muito engraçada — como eu também devia parecer a ele”, afirma Weiss em um trecho do livro A Música do Universo.

O estranhamento inicial foi superado após uma discussão, que adentrou a madrugada, sobre a gravitação e suas possibilidades de estudo. “Fizemos um esquema gigantesco numa folha de papel, com todas as áreas no estudo da gravidade. Onde haveria um futuro ali?”, lembra Weiss, que na época já era conhecido entre os colegas por seu detector de ondas. Durante a conversa, começaram os planos para a construção de um grande interferômetro de ondas gravitacionais.

Thorne se ofereceu para tocar o projeto no Instituto de Tecnologia da Califórnia, mas se recusava a fazer tudo sozinho, e Weiss, então, acabou sugerindo o nome do britânico Ronald Drever. “Uma pessoa que eu não conhecia, com quem nunca tinha me encontrado, mas que eu começava a perceber que era muito inteligente”, diz Weiss. Embora desde cedo demonstrasse possuir um gênio difícil, Drever era, de fato, brilhante: bolsista em Harvard e com trabalhos na área de ondas gravitacionais desenvolvidos na Escócia, onde já tinha projetado e construído o próprio interferômetro, ele foi convidado para integrar o projeto em 1978. Em 1983, depois de alguns anos de resistência, Drever finalmente assumiu suas funções em definitivo no Caltech. Na mesma época, o MIT de Weiss trabalhava separadamente em alguns outros conceitos e em outro protótipo. Coube a Thorne ser a “ponte” para a união de esforços. E formou-se assim o trio de cabeças pensantes que posteriormente foi batizado de “A Troika”. Foi também nessa época que o projeto ganhou um nome: LIGO.

O SONHO ACABOU?

Cientistas de outros países também investiam pesado na tentativa de captar as ondas gravitacionais, mas ninguém tinha mais dinheiro, estrutura e ideias do que o power trio de físicos. Um protótipo de 40 metros foi erguido no Caltech e, no início dos anos 1990, o grupo de cientistas foi ao Congresso dos Estados Unidos pedir US$ 200 milhões para finalmente colocar o observatório de pé. Mas a relação de Drever, conhecido pelo temperamento difícil, com o resto da equipe começou a degringolar antes de o dinheiro chegar. O escocês defendia que um interferômetro cientificamente viável poderia ser entregue na base do talento e da habilidade experimental, e Weiss discordava, o que causava uma queda de braço diária.

Quando a liderança do projeto foi retirada do trio e repassada a outra pessoa, o também professor Rochus Vogt, as coisas pioraram de vez. Vogt simplesmente não tinha paciência para os arroubos de Drever. “Vogt vivia gritando com ele. Um dia eu disse: ‘Por que você não vai embora quando ele fizer de novo?’. Drever respondeu: ‘Posso fazer isso?’. Não dava para acreditar como Ron era ingênuo”, lembra Peter Goldreich, colega dos dois no Caltech. No fim, Drever acabou sendo dispensado. Ele seguiu tendo um laboratório no Caltech, mas jamais pôde retornar ao projeto que levantaria voo apenas anos depois da sua expulsão.

O observatório de Hanford, erguido no início da década de 1990, levaria 21 anos para registrar, no final de 2015, a sua primeira detecção de ondas gravitacionais. Nesse meio tempo, Thorne já tinha trocado o laboratório por Hollywood — ele escreveu textos técnicos inclusive para o filme Interestelar. Ronald Drever, o mais rebelde do trio, sofre de demência e vive em uma casa de repouso na Escócia. Da Troika original, somente Weiss ainda coloca a mão na massa de tempos em tempos. Ele supervisiona, sempre que possível, os dois túneis de concreto do observatório, com 4 quilômetros de comprimento e 18 mil metros cúbicos de puro vácuo, tanto em Livingston quanto em Hanford.

A HORA DO SHOW

Para a autora de A Música do Universo, a detecção das ondas gravitacionais foi um momento tão importante quanto aquele em que Galileu Galilei utilizou um telescópio para observar imagens ampliadas do céu e, consequentemente, do espaço, em 1609. “Quando Galileu olhava para o Sistema Solar com um telescópio, ele teve condições de dizer ‘nós não estamos no centro do Sistema Solar’, e isso exerceu total impacto sobre quem somos no mundo”, afirma.

O choque de buracos negros captado pelo LIGO no ano passado é apenas o começo de uma longa empreitada científica cujo sucesso é difícil de prever. Na teoria, a colisão de estrelas de nêutrons ou a explosão de supernovas também poderão, um dia, ser captadas, e isso valeria até mesmo para o Big Bang, que aconteceu há 13 bilhões de anos. Porém, isso depende do avanço tecnológico dos detectores de ondas — além dos dois equipamentos nos Estados Unidos, há um instrumento em operação na Itália, outro no Japão e mais um a ser concluído até 2024 na Índia.

“Fiquei apaixonada pela história dos cientistas e por aquilo que estavam tentando atingir”, conta Janna Levin. Mas como, afinal, a “música” formada pelas ondas gravitacionais poderia ser explicada? “Echoes”, do Pink Floyd, seria uma boa sugestão de comparação aos ouvidos humanos. É uma canção com duração enorme, de 23 minutos, completamente caótica, cheia de ritmos diferentes, o que torna impossível prever a melodia a seguir. “Ela expressa a diversidade em termos de ondas gravitacionais no universo”, afirma Odylio Denys de Aguiar, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O cosmo, afinal, também é rock and roll.

PERGUNTAS FREQUENTES

Quase tudo que você precisa saber sobre o LIGO (porque tudo é muita coisa)

O que é o LIGO?

O Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser (LIGO, na sigla em inglês) foi desenvolvido para explorar o campo da astrofísica por meio da detecção de ondas gravitacionais, conforme previsto pela Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein.

Quanto custou?

Desde o início da construção dos laboratórios, em 1994, até este ano, foram investidos cerca de US$ 1,1 bilhão, com financiamento da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos.



Onde fica?

O LIGO tem duas sedes nos Estados Unidos: uma em Livingston, na Louisiana, e outra em Hanford, no estado de Washington.

Como funciona?

Espelhos nas extremidades dos dois eixos são arranjados de modo que reflitam repetidas vezes um poderoso feixe de laser pelo sistema. O instrumento é delicado o suficiente para captar a distorção que uma onda gravitacional provoca no tecido do espaço-tempo.

Qual é o tamanho?

Cada um dos laboratórios do LIGO foi projetado com dois braços de 4 quilômetros que formam um ângulo de 90 graus entre seus eixos. Além dos observatórios de detecção de ondas gravitacionais, o projeto científico conta com o apoio de dois centros de pesquisa — um no MIT e outro no Instituto de Tecnologia da Califórnia, ambos localizados nos Estados Unidos.



OLHA A ONDA

Captadas no ano passado, as ondas gravitacionais comprovam a Teoria da Relatividade de Einstein

De acordo com a Teoria da Relatividade, a presença de matéria ou energia causaria uma deformação na geometria do espaço e vice-versa. Imagine uma cama elástica. Se você coloca uma bola de gude sobre ela, a bolinha se move em linha reta. Mas se trocar a bola de gude por uma de chumbo, ela causará uma deformação na cama elástica. Colocadas várias bolas de gude no mesmo espaço da bola de chumbo, elas serão afetadas pela curvatura da cama elástica — efeito causado pela gravidade, segundo Einstein.

Esse aspecto causa, inevitavelmente, perturbações no espaço, que se propagam por meio das ondas gravitacionais. Esses fenômenos são resultado de alterações não só no espaço como no tempo. A “canção” registrada pelo LIGO em 2015 é produto de uma mudança espacial, a colisão de dois buracos negros, que aconteceu há 1,3 bilhão de anos.

MEU DESTINO É SER STAR

Quem foram os cientistas responsáveis pela comprovação da existência das ondas gravitacionais


RAINER WEISS
Berlim (Alemanha) - 29/09/1932
Especialidades: Física, gravitação experimental e medições cósmicas.
Legado: Weiss foi um dos precursores de dois campos fundamentais da física moderna: a caracterização das medições de radiação cósmica e a observação e análise das ondas gravitacionais.



KIP STEPHEN THORNE
Logan, Utah (EUA) - 01/06/1940
Especialidades: Astrofísica e física gravitacional.
Legado: Thorne deu ênfase à astrofísica relativista e à física gravitacional, com destaque para temas como buracos negros e estrelas. Tornou-se conhecido dentro e fora da comunidade científica por defender que os “buracos de minhoca” possibilitariam a realização de viagens no tempo.



RONALD WILLIAM PREST DREVER
Paisley (Escócia) - 26/10/1931
Especialidades: Estabilização de lasers e experimentos de interferometria para a detecção das ondas gravitacionais.
Legado: Pesquisas desenvolvidas por Drever nos anos 1960 e 1970 foram fundamentais para o desenvolvimento dos interferômetros instalados nos laboratórios do LIGO, equipamentos sensíveis o bastante para a captação de ondas gravitacionais.

FONTE: REVISTA GALILEU

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